O mercado financeiro voltou a manifestar forte apreensão com o alto endividamento das empresas de tecnologia e os gigantescos investimentos em Inteligência Artificial (IA), reforçando os temores de uma possível bolha no setor. O estopim recente foi a divulgação dos resultados trimestrais da Oracle, que sofreu uma “crucificação” por parte dos investidores.
As ações da companhia despencaram mais de 10% após a divulgação do balanço. No mercado de dívida, a busca por proteção disparou, elevando os spreads dos Credit Default Swaps (CDS) da Oracle a máximas históricas. Essa alta consolidou a empresa como o “termômetro” preferido do mercado para medir riscos ligados ao complexo de IA.
Receita frustra expectativas, mas investimento assusta
Embora o lucro da Oracle tenha superado as estimativas, o fator de alerta reside em dois pontos cruciais: a receita frustrou as expectativas e o Capex (investimento em capital) atingiu um recorde de US$ 12 bilhões no trimestre encerrado em novembro, muito acima da projeção de US$ 8,4 bilhões.
A empresa tem migrado agressivamente para uma estratégia de construção de infraestrutura de data centers, essencial para o ecossistema de IA. No entanto, esse esforço exige um volume de capital inédito, que gera preocupação sobre o descasamento de caixa.
“O resultado está longe de ser ruim, mas o problema é que existe muito otimismo já precificado [no preço da ação]. Os ‘hyperscalers’ (grandes provedores de serviços em nuvem) não têm margem para erro”, avalia Rafael Basso, analista sênior de crédito internacional da AZ Quest.
Mercado trata Oracle como risco especulativo
A carteira de pedidos (backlog) da Oracle, com mais de US$ 500 bilhões em contratos, mostra o potencial futuro, mas também o desafio imediato. Segundo Basso, os contratos só começam a gerar receita em peso a partir de 2027, o que força a empresa a “investir muito Capex e piorar as métricas financeiras” até lá.
Esse cenário já havia sido alertado por agências de rating:
A Moody’s mantém o rating da Oracle em ‘Baa2’ (um nível acima do grau especulativo), com perspectiva negativa.
A S&P Global atribui ‘BBB’, com perspectiva negativa desde setembro.
Com o salto dos spreads de CDS, o nível implícito de rating da Oracle caiu para a faixa ‘BB’, ou seja, o mercado, na prática, já a trata como uma companhia de nível especulativo, exigindo mais proteção contra o risco de inadimplência.
O Hedge favorito contra a “Bolha de IA”
A analista Erica Spear, do J.P. Morgan, resume a situação: “Parece que o CDS de 5 anos da Oracle se tornou, na prática, o ‘hedge’ preferido para um cenário de ‘estouro da bolha de IA’.”
A combinação de rating ‘BBB’ com perspectiva negativa, alta alavancagem e fluxo de caixa livre negativo no curto prazo torna a Oracle uma proxy mais sensível para riscos de infraestrutura de IA do que seus pares com notas de crédito mais altas.
A preocupação é amplificada pelo recorde de US$ 75 bilhões em dívida de empresas de tecnologia focadas em IA emitidas em setembro e outubro, mais que o dobro da média anual do setor na última década. Esse endividamento massivo e arranjos como vendor financing criam dinâmicas que remetem a crises passadas, levando gestoras a monitorar de perto os três “Ls” que precedem crises financeiras: leverage (alavancagem), liquidity (liquidez) e sinais de lunacy (insensatez).